domingo, 24 de maio de 2009

Já é tarde e vou dormir

Toda e qualquer relação humana é inútil. E é-o não por um sentimento egoísta de individualidade mas por uma consciencialização colectiva do absurdo desse mesmo fim. Há um objectivo comum imperceptível no meio de tudo isto, um desígnio final que tenho dificuldade em compreender. A relação humana é assente numa dimensão onde interessa menos a realidade que atribuímos a cada um dos seus intervenientes do que a imaginação presente que temos desse mesmo objecto. Heidegger dizia que para alcançarmos compreensivamente o ser precisávamos de analisar existencialmente a pessoa. Ou seja, todo o interesse deve residir apenas no ser, enquanto a pessoa concreta é apenas um meio de se chegar a ele na sua completa compreensão. Por isso a relação humana é-o apenas na sua forma tentada, incompleta, imperfeita, inacabada. Não pode nem deve ser o único sustento físico do humanismo como oposto do materialismo dialéctico. Sartre entendia o outro como o mediador indispensável entre mim e mim mesmo. Mas essa relação era apenas o conflito, o decalque imaginativo e a subtracção dos contrastes entre os seus intervenientes. Enquanto a relação humana se continuar a fazer nos dias de hoje como o duelo abstracto entre dois conceitos autónomos que deixamos a lutar na arena, pouco resta para valorizar. A imaginação que temos do outro, e que tantas vezes difere da verdade, deve ser apenas o oxigénio que permite a combustão; e não a própria madeira consumindo-se no meio das chamas. A emotividade presente em cada um desses gestos, a projecção que fazemos do seu futuro, o vazio abstracto dessa improfícua duplicidade; nada é verdadeiramente necessário. Actuam fantasmas que opomos à própria alegoria de nós mesmos e esperamos pela metamorfose dessas criações imateriais em algo palpável ao nosso entendimento, para que essa interacção possa produzir em nós alguma transformação. Toda e qualquer relação humana é inútil porque é, no fundo, inexistente. Não há frase na minha vida que faça mais sentido do que estas palavras de Jacques Lacan: Aimer c'est donner ce qu'on a pas a quelqu'un qui n'en a pas besoin - Amar é darmos o que não temos a alguém que não o precisa.

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